AVALIAÇÃO MÉDICA (PARTE 2)

Cardiovascular

1. Doença da artéria coronária

2. Infarto miocárdico

3. Revascularização miocárdica

4. Angioplastia

5. Insuficiência cardíaca congestiva

6. Arritmias necessitando medicação para supressão

7. Insuficiência valvular

1. Cardiomiopatia dilatada

2. Estenose valvular

3. Comunicações intracardíacas

Pulmonar
1. Asma

2. Broncoespasmo induzido pelo exercício

3. Lesão pulmonar sólida, cística ou cavitada.

4. Pneumotórax secundário a cirurgia torácica, trauma ou lesão prévia por hiperinsuflação

5. Obesidade

6. Edema pulmonar por imersão

7. Doença pulmonar restritiva

Obs.: Espirometrias normais antes e após exercício.

1. História de pneumotórax espontâneo

2. Prejuízo na capacidade de desempenho durante o exercício por doença respiratória

Gastrintestinal
1. Doença péptica associada com obstrução do piloro ou refluxo

2. Hérnias da parede abdominal

1. Doença inflamatória intestinal

2. Doenças funcionais do intestino
1. Obstrução gástrica severa

2. Obstrução recorrente ou crônica do intestino delgado

3. Refluxo gastrintestinal severo

4. Hérnia para-esofágica

5. Acalásia

Ortopédico
1. Dor lombar
1. Amputação

2. Escoliose

3. Necrose asséptica

Hematológico

1. Anemia falciforme

2. Policitemia Vera

3. Leucemia

4. Hemofilia e outras alterações da coagulação sangüínea

Metabólico e endocrinológico

1. Alterações hormonais

2. Obesidade

3. Insuficiência renal

1. Diabete melito

2. Gravidez e mulheres que estão tentando engravidar.

Psiquiátrico

1. Retardo de desenvolvimento neurológico

2. História de abuso de álcool e drogas

3. Episódio psicótico prévio

4. Uso de medicação psicotrópica

1. Motivação inadequada ao mergulho

2. Claustrofobia ou agorafobia

3. Psicose ativa

4. Desordem do pânico não tratada

5. Abuso de álcool e drogas

Otorrinolaringológico

1. Otite externa recorrente

2. Obstrução significativa do conduto auditivo externo

3. História de lesão significativa do pavilhão auditivo ao frio

4. Disfunção da trompa de Eustáquio

5. Otite média ou sinusite recorrente

6. História de perfuração timpânica

7. História de timpanoplastia

8. História de mastoidectomia

9. Déficit condutivo ou neuro-sensorial auditivo significativo

10. Paralisia facial não associada a barotrauma

11. Aparelhos prostodônticos totais

12. História de fratura de face

13. Cirurgia oral não cicatrizada

14. História de radioterapia de cabeça e pescoço

15. História de disfunção da articulação têmporo-mandibular

16. História de ruptura da janela redonda

1. Membrana timpânica monomérica

2. Perfuração aberta da membrana timpânica

3. Tubo de meringotomia implantado

4. História de cirurgia de ouvido interno e ossículos

5. Paralisia de nervo facial secundária a barotrauma

6. Doença de ouvido interno que não presbicusia

7. Obstrução não corrigida de vias aéreas

8. Laringectomia ou estado pós-laringectomia parcial

9. Traqueostomia

10. Laringocele não corrigida

11. História de doença descompressiva vestibular

Fonte: Guidelines for recreational scuba diver?s physical examination ? Recreational scuba Training Council.

Em relação à necessidade de avaliações periódicas subseqüentes, pode-se dizer que elas devem seguir o modelo geral preconizado para a prevenção das várias doenças, cuja rotina dependerá da idade e do sexo do indivíduo. Além disso, o mergulhador deverá realizar uma nova avaliação toda vez que surgirem mudanças no seu estado de saúde.

Como lidar com o resultado da avaliação médica inicial?

Basicamente há dois tipos de abordagem. O primeiro é em termos de apto ou não apto, ou seja, passa ou não passa na avaliação. Tratando-se de mergulho recreativo, é um modelo rígido e uma resposta negativa desobriga todos de conseqüências éticas e legais, deixando o candidato a mergulhador ou o mergulhador experiente sem possibilidade de poder mergulhar ou continuar mergulhando. O segundo é informar sobre o problema e oferecer um planejamento de manejo do risco, se for o caso. Neste caso, a intervenção somente é possível com a atuação do médico com experiência em medicina do mergulho.

Parece que algumas proibições são mais conservadoras do que o necessário. Isso é evidente à medida que se constatou que muitos mergulhadores, inclusive instrutores, apresentavam algumas dessas desordens e continuavam mergulhando sem maiores conseqüências. Além disso, muita informação nova baseada em evidências surgiu nos últimos anos, contestando certas posições. Devemos considerar que numa doença há várias formas de apresentação e de evolução, dependendo do momento da sua história natural e, de acordo com o tipo de tratamento necessário, poderá ou não ser compatível com o mergulho e seu processo de ensino e aprendizado. Nestes casos, onde há planejamento de risco, é obrigatória a participação do médico hiperbarista familiarizado com medicina do mergulho e do instrutor treinado para a prática e ensino do mergulho adaptado.

Alguns exemplos de tratamentos dados pela medicina do mergulho em relação a desordens que dividem opiniões e condutas

Quando se realiza uma avaliação médica visando ao mergulho recreativo, o médico examinador se depara com muitas situações em que ainda não há um consenso na literatura médica baseada em evidências quanto à possibilidade de se mergulhar em segurança. Algumas doenças se apresentam de várias formas em diversos momentos da sua história natural e tornam difícil uma proibição ou liberação tranqüila e de forma segura. Muitas dessas situações estimulam a reflexão e a possibilidade de uma avaliação objetivando o manejo do risco.

O mergulho pode não ser compatível com algumas dessas doenças e suas complicações. Portadores de desordens que estão em acompanhamento ou tratamento, como o diabete, a asma e as doenças do coração, entre outras, apresentam riscos de complicações da própria doença ou do seu tratamento e, portanto, a princípio não deveriam ser liberados para o mergulho. Pelo menos teoricamente, alguns riscos da exposição da doença ao mergulho autônomo superariam a intenção da proposta saudável deste tipo de atividade de lazer.

Além das complicações agudas, as alterações crônicas de muitas doenças podem comprometer outros sistemas e produzir danos que alterariam o desempenho embaixo da água e impossibilitariam a resposta adaptativa fisiológica e conseqüentemente o mergulho autônomo seguro. Aqueles que quiserem mergulhar nessas condições, deverão ser bem avaliados de forma global, desde a motivação que os fez mergulhar, o estado de saúde que apresentam no momento, os sinais de complicações secundárias à doença até o tipo de treinamento que desejam e a realização de um plano de manejo do risco, se for o caso.

A tabela que segue, exemplifica, resumidamente, alguns posicionamentos de entidades relacionadas com o assunto em relação às principais situações médicas específicas polêmicas. Como pode ser observado, há rotinas e posicionamentos distintos entre as instituições. Ela também serve para evidenciar que são possíveis vários encaminhamentos para lidar com um mesmo problema.

Tabela 4: Critérios de definição médica para liberação ao mergulho autônomo recreativo de entidades médicas nos Estados Unidos, Reino Unido e Austrália

SPUMS*

UKSDMC**
RSTC***

Diabete Melito

Aquele que requer medicação é contra-indicado.

Todos os candidatos a treinamento em mergulho devem realizar triagem com medida da glicemia capilar na avaliação inicial de rotina. Havendo alteração, encaminhar para especialista.

Pode mergulhar se:

1. Não teve ataque hipoglicêmico no último ano.

2. Não se hospitalizou no último ano por qualquer motivo associado ao diabete.

3. Tem controle adequado do diabete, monitorizado por medida da hemoglobina glicosilada ou da frutosamina.

4. Apresenta condições mental e física para mergulhar.

5. Sem comprometimento de órgãos-alvo da doença.

O mergulho geralmente é contra-indicado, a menos que vinculado a um programa especializado neste assunto.

Hipertensão

O exame cardiovascular completo deve ser normal, ou seja, sem evidência de doença cardíaca ou arritmia.

Pressão de repouso não deve exceder 150 mm de Hg de sistólica e 95 mm de Hg de diastólica.

Havendo dúvidas quanto ao preparo cardiológico para o exercício, deve ser realizada avaliação com cardiologista.

Permitido para hipertensos em grau leve e se a pressão diastólica não for maior que 90 mm de Hg para noviços e maior que 100 mm de Hg para experientes. Sistólica não pode exceder 160 mm de Hg para ambos os grupos.

Esses níveis são aceitos, se compensados com tratamentos aprovados.

Tratamentos aprovados: restrição de sal, diurético (se usado exclusivamente para hipertensão), doses baixas de vasodilatadores (prazosin, nifedipina e iECA****)

Outros anti-hipertensivos devem ser avaliados em relação à possibilidade de prejuízo na resposta cardíaca ao exercício.

Condição de risco relativo.

Requer avaliação específica.

Importante análise das medicações em uso.

Asma

Exame completo e teste de provocação, se houver dúvidas.

Desqualifica:

1. Doença pulmonar obstrutiva crônica passada ou presente associada.

2. História de pneumotórax, lesão penetrante no tórax e cirurgia aberta prévia.

3. Presença de lesão fibrosa que altera a complacência pulmonar.

4. Qualquer evidência de doença obstrutiva da via aérea: asma aguda, bronquite crônica ou bronco-espasmo alérgico.

Podem mergulhar aqueles com asma leve, bem controlados e que seguem protocolos.

Asma alérgica é permitido.

Não é permitido asma induzida pelo frio, exercício ou emoção.

Não deve mergulhar, se necessitou de broncodilatador terapêutico nas últimas 48 horas ou se teve qualquer outro sintoma torácico.
Asma predispõe à ocorrência de pneumotórax.

Acredita-se que o risco de mergulhadores asmáticos terem doença descompressiva ou barotrauma pulmonar é excepcionalmente baixo.

O mergulhador asmático deve ser assintomático e ter uma espirometria normal antes e depois do exercício.

Epilepsia

História de convulsões ou apagamentos sem explicação requer avaliação mais detalhada.

Exceção é a convulsão febril da infância.

Não é seguro qualquer tipo de epilepsia, ainda mais usando medicação com ação sobre o sistema nervoso central.

Podem mergulhar aqueles que estão há 5 anos sem medicação e sem crises.

No caso de crises de ocorrência exclusivamente noturna, o período pode ser reduzido para três anos.

Desconsiderar a convulsão relacionada com a febre, se não houver evolução para epilepsia.

Não pode ter apresentado qualquer crise convulsiva na sua história pregressa, a menos que febril.

* SPUMS: South Pacific Underwater Medicine Society
** RSTC: Recreational Scuba Training Council
*** UKSDMC: United Kingdom Sport Diving Medical Committee
**** iECA: inibidor de enzima de conversão de angiotensina.

Fonte: Meehan,C.. The Australian diving medical. A look at the standards in Australia and overseas. SPUMS Journal, 2004, 34(3):137-141.

Uma nova proposta: manejo do risco

Uma outra forma de abordar o resultado da avaliação é definir riscos para o mergulhador em função de alterações identificadas. Ela basicamente considera que mergulhar ou não é uma opção do candidato onde há o exercício da liberdade de se correr risco, ou seja, o princípio da autonomia do mergulhador deve ser respeitado.

Nesta abordagem, haveria condições com risco temporário, relativo ou grave. Tenta quantificar o risco e dimensionar o plano de manejo. Conforme o caso, o risco poderá ser tão grande que a atividade é totalmente desaconselhada. A abordagem tenta preservar a autonomia do mergulhador para ele poder decidir sobre aquilo que quer fazer. É aquela que é realizada a posteriori ao questionário aplicado e que indica a necessidade de um aconselhamento médico.

Alterações com risco temporário são problemas médicos que impedem o mergulho e que têm um caráter temporário, que responde a tratamento, permitindo que o mergulhador mergulhe com segurança após ter sido resolvido.

Situações de risco relativo se referem àquelas situações em que há um risco, que é moderado, porém aceitável. A decisão de se o mergulho será contra-indicado depende do resultado da abordagem individual em relação à apresentação da doença, ao estado atual do portador da desordem e aos objetivos do mergulhador.

Situações de risco grave estão relacionadas a uma incidência alta de doença descompressiva, barotrauma pulmonar ou alteração da consciência que leve ao afogamento. O portador de alterações com risco grave deve ser desestimulado ao treinamento para o mergulho autônomo.

A escolha de uma ou outra forma de apresentação do resultado da avaliação define a abordagem do problema. A baseada em contra-indicações trata o problema da forma pode ou não mergulhar e tenta eximir o médico dos aspectos médico-legais relacionados com mergulho. A que define o risco, abre a possibilidade do manejo do risco e é a adotada pela Undersea & Hyperbaric Medical Society.

Muitos acham que a decisão de mergulhar é uma decisão pessoal, devendo ser respeitado o princípio ético da autonomia de escolha feita pelo indivíduo. O mergulho será uma decisão pessoal e o mergulhador acabará mergulhando independentemente da opinião do médico, se expondo e expondo os outros aos riscos da sua doença. Muitos dos que consideram este direito acreditam que se deve informar adequadamente sobre o estado de saúde do mergulhador e o risco da atividade. O médico fornece os dados necessários para o candidato definir sua opção de correr riscos em função dos benefícios da atividade. O médico assumiria o papel de conselheiro e as entidades envolvidas com o ensino forneceriam as condições de treinamento e prática com segurança da atividade.

Entretanto, podemos observar que o problema doença e mergulho envolve vários personagens e extrapola o ambiente do consultório médico. A decisão de uma organização certificadora de treinamento em mergulho sobre treinar ou não determinado indivíduo deve ser definida e elaborada como instituição. A instituição ou a comunidade de mergulhadores não deve transferir ao médico essa decisão, tornando o resultado da avaliação objeto de uma abordagem simplista de caráter médico-legal. A comunidade de mergulhadores, que é constituída não somente do mergulhador na sua individualidade, mas também de escolas e operadoras de mergulho, deve decidir qual o caminho a ser tomado. O mergulhador determinado a mergulhar doente o fará independentemente dos outros. Acabará que ele fica desassistido e a comunidade de mergulhadores exposta. Essa é a principal motivação do envolvimento por parte de certas instituições oficiais de saúde de alguns países e certificadoras internacionais, que se pode observar em certas culturas de mergulho, encarando o problema do mergulhador com certas doenças, dando o tratamento mais adequado à condição encontrada.

Concluindo

A avaliação médica no mergulho recreativo é importante tanto para candidatos a mergulhadores quanto para mergulhadores experientes que querem continuar mergulhando à medida que certas doenças são identificadas.

Atualmente se percebe que não é necessária a avaliação de todos os iniciantes por médico com treinamento específico de modo a justificar o consumo de tempo e de recursos econômicos. A pré-seleção por profissional treinado parece ser fundamental e mais custo eficiente. A avaliação periódica posterior se torna fundamental para aqueles mergulhadores que envelhecem, como uma forma de ação preventiva. Qualificação médica para o mergulho significa ausência de doenças incompatíveis com o mergulho seguro. A avaliação relacionada ao surgimento de problemas específicos e a necessidade de realização de um plano de manejo de risco deve ser realizada por médico hiperbarista com experiência em medicina do mergulho.

Em se tratando de atividade de risco, as pressões do paradigma comercial e empresarial devem ser minimizadas. Por outro lado, em função dos paradigmas científicos, também não deve haver um liberalismo excessivo do tipo tudo pode, em que tudo é permitido em se respeitando a autonomia dos indivíduos. Não podemos esquecer que o mergulho é uma atividade social, que envolve vários personagens, e que cada cultura de mergulho deverá definir a sua conduta a partir do que pode fazer para minimizar o risco.

O mergulhador sério e dedicado tanto em relação a sua saúde quanto ao mergulho deve preocupar-se com o seu preparo físico e as alterações do seu estado de saúde. Na tentativa de preservar a imagem do mergulho recreativo a avaliação médica deve ser encarada como uma necessidade criando-se a cultura do mergulho seguro.


Acessar outros artigos